terça-feira, 24 de junho de 2008

Skunkworks segundo Jack Endino, doze anos depois

Quando Bruce Dickinson lançou o álbum Skunkworks, uma parcela de fãs não compreendeu muito bem o conceito da obra, digamos assim. Alguns aceitaram. O tempo passou e o cantor acabou voltando a fazer aquilo que faz melhor: heavy metal.

Em meados de 1996, quando Skunkworks foi lançado, o cenário rock era dominado pelas ditas bandas alternativas. O heavy metal então passava por um momento de, digamos, baixa. Ciente de que o cenário não era mais o mesmo de outrora, Dickinson resolveu mudar tudo em sua carreira: banda nova, produtor novo, visual novo.

O cantor escalou Jack Endino para a produção do CD. A banda foi a mesma que o acompanhou na turnê de Balls To Picasso, entre 1994 e 1995. Para a capa do álbum, veio Storm Thorgerson, conhecido por suas artes gráficas junto ao Pink Floyd.

Endino é mais conhecido por seus trabalhos em bandas como Soundgarden, Therapy?, L7, Mudhoney e o Nirvana — reza a lenda que ele produziu Nevermind pela bagatela de 500 dólares — além de ser um dos responsáveis pela gravadora Sub Pop, que desvelou muitos nomes famosos da cena grunge estadunidense ao mundo todo.

Nesse bate-papo a seguir, conduzido em julho de 2004 por Eric Hutchinson, Endino explica como foram as sessões de gravação com Bruce Dickinson, o relacionamento com os outros músicos do grupo entre diversas outras curiosidades. Confira o bate-papo na íntegra logo a seguir:

Eric Hutchinson — Como você se envolveu com Bruce Dickinson?
Jack Endino — Trabalhei com uma banda irlandesa chamada Kerbdog que tinha como empresários o pessoal da Sanctuary. Bruce gostou do trabalho deles e então me ligou.

Hutchinson — Como foram as conversas iniciais a respeito de como eles queriam soar e tudo mais?
Endino — Bruce queria ficar longe do som do Maiden. Ele é muito fá de bandas modernas de rock e ainda mantém seu ouvido atento. Ele sabia muito sobre outras bandas com quem eu havia trabalhado, exceto o Kerbdog. E ele me disse que queria um disco com uma sonoridade mais moderna, mas ainda assim bem pesado. Eu lhe disse: ‘posso fazer isso’. Soou como um grande desafio para mim.

Hutchinson — Você conhecia ou chegou a seguir a carreira de Bruce antes de gravar o Skunkworks?
Endino — Não, entretanto minha mulher chegou a me dar uma cópia de Tattoed Millionaire. Mas eu era um fã das antigas do Iron Maiden, porém perdi o contato com eles após o Piece of Mind.

Hutchinson — Como foi trabalhar com Bruce e o restante da banda?
Endino — Eles eram muito profissionais, havia muito trabalho a ser feito, mas também foi muito divertido. Eles ainda estavam compondo músicas quando comecei a trabalhar com eles, e chegaram a me convidar para lhes dar algumas opiniões. Estava muito a fim de cooperar nos arranjos das canções, algo que é um dos meus pontos fortes, mas não cheguei a contribuir em quaisquer idéias musicais ou líricas. Na verdade, vi essa nova banda tomar vida bem diante dos meus olhos.

Hutchinson — Havia desentendimentos entre Bruce e o restante da banda? Se havia, como eles eram e como você ajudou a resolvê-los?
Endino — Todos se davam muito bem. As diferenças eram artísticas. Os caras da banda tinham uma idéia de que não queria ser um tipo de banda convencional de metal, mesmo fazendo parte de um grupo com Bruce Dickinson! Bruce tinha umas idéias a seu respeito que, com algo mais aqui e ali, eram bem na veia Black Sabbath, o que não me incomodava mesmo. Mas os outros caras da banda queriam seguir outra direção, algo mais moderno no rock pesado. Mas tive que guiar o caminho de algum modo. Bruce estava interessado em estar numa banda, não em ser um ditador, eu também não penso assim.

Hutchinson — Em sua opinião, quais as melhores músicas do álbum?
Endino — ‘Strange Death In Paradise’, é claro. ‘Meltdown’ também, porque nessa faixa usamos o kit de bateria do álbum Back in Black [N. do . T.: clássico do AC/DC] e Nicko [McBrain, baterista do Maiden] ficou com ele mais tarde. ‘Space Race’ também é ótima, embora eu não goste muito da mixagem dela. Também ‘God’s Not Coming Back’: em um certo ponto, estava ficando chateado porque a banda, não Bruce, estava se recusando a tocar algo tão básico. Então, eu os desafiei a compor uma faixa rápida com apenas três acordes e uma guitarra solo. Eles fizeram. Não a levaram muito a sério, mas é uma das minhas favoritas de todas as sessões deste álbum. Bruce disse que faríamos uma canção sacrilégio de Natal, combinando aquela loucura toda. É só ver as letras. Acho que essa música se tornou um B-side. Há outras que eu poderia mencionar, e na verdade não há nenhuma canção ruim lá, mas no momento não me lembro de outras.

Hutchinson — Que histórias do estúdio você se lembra? Favoritas e menos favoritas.
Endino — Favorita? Bruce me trazendo sua coleção completa de ‘O Fugitivo’ para assistirmos enquanto estávamos no Great Linford Manor, um ótimo lugar para estúdio, a propósito. As memórias menos favoritas me remetem ao processo de mixagem e quando fiquei terrivelmente gripado. As primeiras mixagens foram ótimas, mas foram ficando piores e piores com minha cabeça e meu peito doendo muito. Fui para casa e Bruce acabou me deixando voltar e tentar mixar tudo novamente, pois ele viu que as mixagens ficaram de ótimas para ruins, mesmo enquanto dei o meu melhor. Às vezes você apenas tem essa má sorte. Voltei lá e corrigi tudo.

Hutchinson — Você acreditava que a formação deste álbum ainda duraria após o lançamento de Skunkworks? Houve alguma conversa a respeito de um segundo trabalho com você?
Endino — Não houve conversas nesse sentido, mas Bruce imaginava que esta era sua nova banda e seu novo som, e ele estava disposto a levá-la a sério, desde que os fãs a aceitassem. Mas eu sabia, logo que terminei o álbum, que a banda não duraria muito. Por que? Bem, eu tive que lidar com essas ‘diferenças criativas’ entre o restante da banda e Bruce, provavelmente até mais do que Bruce soubesse. Pude ver que os caras não tinham o coração na banda. Por isso o álbum foi tão difícil de se fazer. Boas canções, boas interpretações, um ótimo cantor, uma ótima gravação, ótimas condições. Mas a banda não era mesmo uma banda no sentido orgânico da coisa, eram caras escolhidos. Mas tentei fazê-los tocar e soar como uma a banda, esse foi o truque.

Hutchinson — Quanto de permissão criativa você teve nas gravações?
Endino — Bastante, mas foram mais idéias acerca dos arranjos (estrutura das músicas, fazer com que as coisas continuassem se movendo), e uma certa crítica lírica. Estabelecemos uma regra para Bruce: sem dragões, rodas ou monstros. ‘Nada que Dio cantasse’, entende? Ele levou isso a sério, e fomos nessa direção. Isso o forçou a tomar novas idéias líricas. De fato, eu acho que o forcei a tomar diversas idéias que ele nunca havia tomado em um álbum, estilisticamente falando. Nosso plano era não soar parecido com ninguém, e estando na história do rock pesado como estive, poderia soar o alarme para qualquer um caso estivessem soando um tanto clichê, fosse com os riffs ou com as letras. A coisa toda foi um grande experimento para Bruce, e ele estava se divertindo com isso.

Hutchinson — Bruce mencionou que, numa conversa, você havia lhe dito que gravar este álbum foi como costurar um Frankenstein devido às disparidades musicais entre todos os músicos envolvidos. Explique-nos como foi trabalhar com eles.
Endino — Frustrante algumas vezes. Mantê-los focados em um mesmo objetivo era difícil. Porém, ao mesmo tempo formavam uma banda talentosa, todos eles. Todos grandes músicos, grandes influências, cada um deles era uma biblioteca virtual de rock. Todos tinham sua admiração por Deep Purple, por exemplo, mas também pelo Spinal Tap. Mas Bruce levava seu lado rock pesado muito a sério — afinal, foi isso que o tornou um homem rico —, mas parecia que os outros caras não. Na verdade, eles não levavam quase nada a sério, como você mesmo pode ver pelo brilhante Sack Trick (N. do T.: banda liderada pelo baixista Chris Dale e pelo guitarrista Alex Dickson assim que o projeto Skunkworks se desfez), cujas músicas eles já vinham compondo enquanto fazíamos o Skunkworks. Sei o quão ridículo o rock pesado pode ser se for levado ao pé da letra, mas sei também que você tem que levar as coisas a sério para fazer tudo funcionar. Deixar de lado toda a sua incredulidade para fazer as coisas funcionarem. Não peguei a idéia do ‘estamos juntos nessa, um por todo todos por um’, mesmo depois de dois meses com a banda, por isso percebi que provavelmente eles não durariam muito, embora não pudesse dizer isso ao Bruce, seria como ficar adivinhando as coisas, e não sou do tipo que adivinha o futuro. Eu podia estar errado, e sinceramente esperava estar. Mas alguns anos depois, quando tudo já tinha acabado, encontrei com Bruce em Los Angeles e foi quando lhe disse isso sobre o Frankenstein, quando tive mais tempo para refletir sobre toda aquela experiência. Ele me entendeu exatamente, ele até brincou dizendo que pelo menos o monstro abriu os olhos dele, pois foi exatamente assim que me senti fazendo aquele álbum. Algo como ‘não acredito que estou fazendo este disco, mas ele está funcionando’. Um álbum completamente louco. Apenas me concentrei em fazer o melhor possível, fazendo com que todos tocassem pra valer. Acho que fizemos um ótimo álbum. Foi exatamente o trabalho que Bruce queria levar a cabo. Ao invés de ser um álbum solo, soa como uma banda, com uma identidade muito forte de cada um deles. Com toda certeza não soa como Iron Maiden ou qualquer um assim. O que também não ajudou foi a gravadora (N. do T.: Castle Records) que estava passando por sérias dificuldade assim que o álbum foi lançado. Não conheço uma pessoa sequer em Seattle que ouviu falar deste álbum. E também acho que a arte da capa não era forte o suficiente.

Hutchinson — Você ainda mantém contato com algum deles?
Endino — Sim. Estou na lista de e-mail do Sack Trick e esperando ansiosamente pelo álbum tributo ao Kiss que eles vão lançar.

Hutchinson — Por que Oggi Skinner levou os créditos da produção nos singles e lados B ao invés de você?
Endino — Eu produzi algumas daquelas faixas. Umas três ou quatro foi eu quem fiz, incluindo ‘God’s Not Coming Back’, ‘Rescue Day’ e ‘Armchair Hero’. Se alguma canção soa como Skunkworks, então eu a fiz. Eles fizeram algumas sessões de lados B entre algumas das minhas viagens para o Reino Unido com Oggi, que era o engenheiro do Mayfair Studios. Acho que de lá saiu ‘I’m Band With An Italian Drummer’ e mais outras duas. Aliás, ‘I’m Band With An Italian Drummer’ foi a primeira composição do Sack Trick com os caras revelando a sua vindoura direção! Acho que remixei algumas delas mais tarde, não me lembro bem.

Hutchinson — Olhando hoje para aquele álbum, o que você mudaria nele?
Endino — Hmmm, gostaria que tivéssemos conhecimento total em Pro-Tools, que eu soubesse usá-lo como sei hoje. Isso nos pouparia muito tempo. Por outro lado, não soaria como soa, ou seja, 100% analógico.

Hutchinson — Qual sua opinião nos álbuns pós-Skunkworks e Maiden que Bruce lançou?
Endino — Depois do Skunkworks, que não deveria soar em nada com o Maiden, seus álbuns solo posteriores ficaram exatamente como o grupo, até melhor eu diria! O Maiden, naquela época, não estava muito legal. Chemical Wedding me pareceu um bom disco, foi quando ele voltou a fazer um som estilo Maiden e, logo em seguida, voltou ao próprio Maiden. Acho que fizemos um único disco que caiu fora do esquema do Maiden.

Vídeos: Back From The Edge
Inertia (live)
Faith (live)
Dreamstate (live)
Meltdown (live)

Agradecimentos: The Bruce Dickinson Well Being Network
Bruce Dickinson and then some page

Nenhum comentário:

Powered By Blogger